Gravações mostram suposto acordo para fraudar licitação no Paraná

Escuta do MP, autorizada pela Justiça, mostra conversa entre envolvidos.
Justiça aceitou a denúncia contra sete acusados de participar do esquema.

Gravações telefônicas obtidas pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) com autorização da Justiça mostram como funcionou o acordo para um suposto esquema de fraude em uma licitação do Departamento de Transportes (Deto) do Governo do Estado.
As gravações mostram conversas entre o ex-diretor do Deto, Ernani Delicato, e Ismar Ieger, considerado pelo MP-PR como “testa de ferro” da Oficina Providence Auto Center, de Cambé, no norte do Paraná. Delicato e Ieger estão entre os sete réus na denúncia apresentada pelo MP-PR e que foi aceita pela 3ª Vara Criminal de Londrina, no norte do Paraná na segunda-feira (30).
Na ligação, Delicato orienta Ieger a fazer as três propostas das empresas que iriam, então, participar de um contrato emergencial com o governo para o conserto de carros oficiais do Governo do Paraná, com valor de R$ 1,5 milhão. O contrato foi suspenso pela Justiça.
Nas gravações, eles acertam os descontos de mão de obra, peças originais e peças de reposição, que definiram a proposta vencedora.
Ismar Ieger: “Na proposta eu montei lá (...) se fosse só as três, eu falei para ele que era mais tranquilo, a gente podia montar sem puxar, entendeu?”
Ernani Delicato: “Entendi”.
Ieger: “Lá, porcentagem, eu comecei com 12, 12 e 32, o que você acha?”
Delicato: “Fica bom”.
Segundo o MP-PR, em outro trecho da conversa, Delicato, responsável pelo contrato emergencial, diz que Ieger deve tomar cuidado para que as propostas não fiquem parecidas, o que poderia levantar suspeitas.
Ieger: “(...) sobre a porcentagem aqui era tranquilo, era só mais para tirar a dúvida em relação a diferença”.
Delicato: “Bom, aí vocês que vê, para não ficar muito, entendeu?”.
Ieger: "Na proposta eu montei lá (...) se fosse só as três, eu falei para ele que era mais tranquilo, a gente podia montar sem puxar, entendeu?”.
As conversas telefônicas mostram ainda que Ismar Ieger, que aparece em documentos como dono da Providence, foi o responsável por elaborar as propostas de todas as oficinas, inclusive das duas concorrentes. “As outras eu já mudei. Fiz tudo diferente”, diz Ieger, em uma das gravações.
Ismar Ieger conta ainda que teve ajuda do advogado José Carlos Lucca, em conversa com Paulo Midauar. Lucca também foi denunciado pelo MP.
"Já encaminhei pro doutor aqui, pra ele dar uma olhada de todas que eu fiz, e ele vai ver se tem um erro, alguma coisa, e eu vou encaminhar pra ele as outras duas pra ele analisar”, explica Ieger, em uma das conversas gravadas com autorização da Justiça.
Também há trechos de conversas entre Ieger com o empresário Paulo Midauar, que teria intermediado o contato entre Ieger e o Deto para que a elaboração da licitação fraudulenta, segundo o Ministério Público.
Na conversa, conforme a denúncia do MP, Midauar conta que o advogado deu uma nova redação as propostas para o contrato emergencial, para evitar suspeitas. “O negócio dele era só pra montar um palavreado melhor entendeu”, diz Midauar. “Ele montou, ficou legal, ficou bacana, dez pra caramba”, respondeu Ieger.
Ainda conforme a promotoria, os acusados fraudaram a licitação e definiram quais empresas participariam, de forma meramente fictícia. Para isso, o grupo usou a assinatura de donos de outras duas oficinas de Londrina para elaborar falsas propostas. Para o MP-PR, como tudo já estava acertado, a Providence saiu vencedora para prestar o serviço.
O MP-PR apura ainda se outros servidores do Deto também teriam colaborado com o esquema ou até mesmo feito alteração ou produção de documentos para atrapalhar as investigações.
O advogado de Ismar Ieger, Mauro Martins, informou que não vai se pronunciar por enquanto, e que vai se reunir com o cliente ainda nesta terça-feira.
Os advogados de Ernani Delicato, Paulo Midauar e de José Carlos Lucca não foram localizados até a publicação dessa reportagem.
A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Administração, onde funciona o Deto, não atendeu as ligações para se pronunciar sobre o caso até a publicação dessa reportagem.
Operação Voldemort
O MP-PR denunciou à Justiça sete pessoas pelos crimes formação de organização criminosa, falsidade ideológica e fraude à licitação.
A denúncia faz parte da Operação Voldemort, que investiga um suposto esquema de fraude em licitações para prestação de serviços de manutenção aos veículos oficiais do Estado do Paraná na região de Londrina.
Ainda conforme a promotoria, o empresário Luiz Abi Antoun, parente do governador Beto Richa (PSDB) coordenou o grupo entre o início de 2013 e março de 2015. Na denúncia, o Gaeco relata que a Oficina Providence Auto Center, de Cambé, no norte do Paraná, contratada emergencialmente, foi constituída em nome de um “laranja” de Abi Antoun.
O MP-PR aponta que, ao fim do contrato emergencial, uma outra empresa venceu a licitação do Governo do Estado para prestar os serviços de manutenção nos automóveis. Para a promotoria, os suspeitos entraram em um acordo com os donos da firma contratada para que a mesma subcontratasse a Providence.
Isso foi feito, de acordo com o MP-PR, para permitir “a continuidade da atividade para a qual a oficina foi contratada emergencial e ilegalmente e, de consequência, a permanência do sistema de enriquecimento ilícito concebido pelo grupo”.
O grupo contava ainda, segundo o inquérito do Gaeco, com o apoio de um empresário, responsável por intermediar o contato entre os denunciados e por fornecer orientação aos demais envolvidos sobre como proceder na consecução dos crimes.
Conforme as investigações, um advogado também auxiliava dando suporte jurídico e aparência de legalidade a todos os atos, inclusive com a fabricação de documentos e com a simulação do processo de dispensa de licitação que culminou com a contratação da Providence.
O advogado de Luis Abi Antoun, Antônio Carlos Mendes, não quis comentar o caso.